vibe: uma vibração, um movimento oscilatório, uma atmosfera, um tipo de estado emocional e comportamental que incorporamos, agitamos, propagamos, desincorporamos, muitas vezes sem perceber ou sem saber falar a respeito… inconsciente mesmo. 🫨
em Julho de 2017, a float nasceu para escutar e elaborar vibes.
desde então, temos insistido na ideia de que a complexidade do mundo atual sucateou os modelos tradicionais de classificação e sistematização da cultura. os demográficos, os geracionais e, sobretudo, o modelo de pesquisa de tendências.
alguns recibos: síndrome de protagonista, recession indicators (ou indicadores de recessão), girl dinner, L de Latina, clean girl, reborn. esses termos não são necessariamente tendências, mas vibrações que influenciam a forma como as pessoas se identificam, se relacionam, consomem e, claro, se constituem e se apresentam online e IRL.
o mundo sempre foi difícil de decifrar, das mutações da cultura de rua às esquinas sombrias da vida terminalmente online. ser humano é ser produto (cultural, técnico, histórico) de incontáveis influências, pulsões e implementações. estamos aqui e lá ao mesmo tempo, quase mudando, mas ainda não. somos contradições em movimento e geralmente relutamos em admitir isso, na intenção de formar uma imagem consistente de Ego. ou de marca pessoal.
ignorar as tensões internas e externas é, muitas vezes, uma medida necessária porém alienante de sobrevivência. uma tentativa de sustentar o status quo da lógica repetitiva da normatividade e do mercado. e não raro, os velhos ciclos de repetição ainda são apresentados com a embalagem de transformação — ou pior, inovação.
tendendo à irrelevância
se humanos convivendo em sociedade, sob a supremacia do capital, são um caldeirão de complexidades, a pesquisa de tendências nasceu no século XX como uma proposta de sistematizar a velocidade e a trajetória de disseminação dos movimentos na psicoesfera. sim, investigar e tentar botar ordem na casa para prever e ditar movimentos, gerar mais relevância e lucro. um processo que, muitas vezes, também acabou simplesmente empurrando novidades de cima pra baixo.
a premissa era ambiciosa: as viradas da cultura e o ritmo cada vez mais patológico do mercado poderiam ser enquadradas na Lei da Difusão da Inovação, o modelo dos anos 70 do sociólogo Everett Rogers, autor de um dos gráficos de curva mais famosos do mundo.
só que o Viralismo explodiu esse desenho. a fragmentação midiática e a dominância algorítmica potencializaram uma lógica na qual um movimento surge e se espalha como um vírus, um meme. é um sistema tão infodêmico que os novos comportamentos não são mais apenas difundidos ou disseminados; mas sim passamos a ser infectados por afetos e ideias coletivas sem termos a menor ideia de onde veio tudo aquilo e quanto tempo vai durar no nosso organismo psicossomático.
se a origem do termo “trend” diz respeito a uma direção geral em que algo está se desenvolvendo ou mudando, na Era do Presente Extremo, as mudanças acontecem aos solavancos. fast-food, fast-fashion, fast-pass, fast-learning. no fim da espera, tudo é fabricado em tempo real, e a vida é desperdiçada em velocidade x2. assim, a dissonância entre nossos EUs digitais, nossos Ideais de Eu e nossos corpos analógicos nos convida a um estado contínuo de torpor e/ou ansiedade.
movimentos comportamentais tornaram-se cada vez mais ágeis e difíceis de acompanhar. e qual é a forma preferida para lidarmos com a confusão da imprevisibilidade? negação. e como negamos? no caso de muitos de nós, com o modelo clássico — ou ultrapassado — de forecasting.
até hoje, muitos pesquisadores de tendências continuam correndo atrás do próprio rabo, em loops infinitos para tentar requentar o que "já passou", ou “não passou” porque “na verdade nunca foi tendência” ou ainda afirmando que “verdadeiras tendências nunca morrem”. como bem defende o teórico cultural Matt Klein, “os preconceitos prosperam, as agendas [ocultas] orientam, o risco é temido, a quantificação é escassa e o otimismo tóxico influencia”. ou seja, surra de vieses.
trends are not trending
para lidar com a pasteruização do conteúdo e a indiferença generalizada, e deixar tudo ainda pior, há uma escalada no tom sensacionalista do discurso forecaster: a declaração arbitrária do fim e do começo de grandes supostas mudanças. como se mundos começassem e terminassem quando um pesquisador de tendências abre a boca. quantos posts ou relatórios você leu, no último mês, escorados no bait “O FIM DO _______”, “THE RISE OF________” ou o clássico “O FUTURO DO _____”. como dizem no twitter, #old.
entre tantas alvoradas, crepúsculos e mortes (que nunca morrem), a disciplina da pesquisa de tendências de 2025 passou a funcionar como uma espécie de Deus Tânatos do carrossel de Instagram com música e do tiktok/reels em tela verde. um jogo de compilação de palavras e imagens para capturar seguidores, clientes e consumidores com pouco repertório mercadológico e cultural.
existiu um tempo em que o maior problema dessa abordagem era o enviesamento compulsivo e o olhar excessivamente positivista. hoje, parece ser mais a falta de originalidade e responsabilidade com o que se diz. quando todo mundo tem acesso à suposta trend da semana, o discurso — ou Papinho de Tendências — se torna ruído e até sinônimo de golpe.
o que a internet vem chamando há quase uma década de “morte das tendências” é, na verdade, o colapso da pesquisa de tendências como método de pesquisa e sua transformação em [vertical de] conteúdo. e, nesse processo, como manda a boa lógica viralista, engajar se confunde com enganar. é assim que trends tornam-se entretenimento — ou baits.
na ECONOMIA DA TENSÃO, muitas tendências são tratadas como gatilhos intencionalmente divisivos; ou seja, conteúdos de incitação a ódio e revolta e, consequentemente, repercussão. [essa é a história daquele carrossel tentando declarar a morte de alguma coisa e assim despertar a fúria — e o engajamento — daqueles que trabalham, se identificam e defendem essa alguma coisa]. ou seja, é fácil perceber trends como entretenimento para as massas e não mais como um asset do mercado.
na atual conjuntura, não dá nem pra saber se a disciplina será capaz de conservar seu valor de mercado. dizem que a I.A. é o golpe final na pesquisa de tendências como negócio... ou pelo menos negócios capazes de gerar uma receita anual de US$ 260,7 milhões. afinal, modelos de linguagem não são muito mais rápidos e mais baratos na mineração dos dados que indicam mudanças?
essa lógica parece o passo natural de um mercado que produziu o SCROLL FASHION da Shein — a varejista global de ultra-fast-fashion que lança milhares de novos itens todos os dias. não há “coleções” nem “estações”, nem amarrações de que um determinado conjunto de objetos possa fazer algum tipo de sentido. tudo graças a um software integrado que fornece aos fabricantes e designers da Shein insights quase em tempo real sobre os termos de pesquisa e estilos que estão recebendo alta tração. essa moda for you e na velocidade do feed implode a lógica clássica de disseminação de um movimento e a capacidade do mercado de se apropriar dele. meio bad vibe?
VIBES contra a indiferença
nesse contexto, não é à toa que muitos de nós estamos menos investidos em acompanhar e seguir tendências e mais interessados em descobrir e sentir vibes. por isso mesmo, vibe se tornou um termo tão interessante em diferentes cantos da cultura nos últimos anos, porque é capaz de tangenciar estados temporários que dão forma e função a objetos, relações, especificidades de consumo e, não identidades, mas sim identificações.
existiu um tempo em que identidades de grupo funcionavam como tribos permanentes e excludentes de convívio. mas a paisagem midiática de hoje reduziu identidades fixas a -cores temporários. você até pode habitar uma subcultura (se é que elas ainda existem), mas sua lealdade é muito mais esporádica e fragmentada. como afirmou o pesquisador Eugene Healey, "é como a pele de um lagarto: algo que você cria, habita temporariamente e depois descarta com a mesma rapidez”. então estamos enxergando nossas vidas como uma sequência de eras?
vibes são pós-subculturas e pós-identidade porque nossa fidelidade aos empuxos coletivos tribais entraram em liquidação. mob wife ou trad wife não são subculturas, mas formas temporárias de se identificar e se expor no grande Show do Eu, sem necessariamente se obrigar ao casulo identitário de grupo. a internet pode até esquecer temporariamente de quiet luxury ou fubangacore, mas o que importa é que as duas estéticas tem potencial para serem expressões do mesmo sujeito neuroticamente ambivalente.
como num eterno feed de starter packs da ssense, cada vibe é um convite a estéticas transitórias em contínua erosão. é efêmero, polarizante e contraditório, até porque as pessoas não reproduzem vibes em sua totalidade ou completude — se é que isso existe —, mas sim escolhem os fragmentos daquela energia coletiva que lhes interessa; ainda que isso se manifeste através de uma intensa manifestação de repúdio. ou deboche.
tal qual as lancheiras de adulto. de um lado, a dedicação perfeccionista emulada pelo Luis Felipe Alves. de outro, a energia caótica do lancho com Jack Daniel’s e Skol Beats da Tata e Bia. é a mesma vibe, assim como também não é, porque tem muitas outras vibes no meio.
no ensaio A Theory of Vibe, o filósofo Peli Grietzer traça uma profunda conexão entre vibes e machine learning, afirmando que o que a tecnologia de autoencoding está fazendo quando captura o alinhamento entre uma série de objetos é análogo ao que uma pessoa faz quando está capturando uma vibe. o autor propõe que vibe é uma forma de esquema estético-cognitivo:
um conjunto de elementos individualmente complexos, mas organizáveis por uma sintaxe de baixo custo informacional (como um autoencoder).
isso gera uma unidade estética percebida, que funciona como um mapa implícito para reconhecer e reproduzir uma atmosfera, um estilo, um tom.
a vibe é, portanto, inseparável de suas manifestações concretas e, ao mesmo tempo, é uma abstração cognitiva e emocional profunda.
a grande questão é que as vibes nos afetam. como diria o filósofo Spinoza, “somos corpos afetados e afetáveis, que afetam uns aos outros. e isso independe do tipo de afeto.” vibes são conjuntos de sentimentos complexos que ainda não sabemos exatamente como nomear. é a sensação de que tem algo estranho/familiar pairando no ar e é sobre isso que precisamos falar a respeito.
são vibrações que estão no mundo, no Brasil de hoje, dentro de mim, dentro do outro. é compartilhar uma perspectiva semelhante, dividir a mesma abstração cognitiva e emocional profundam, parte dela. e, por alguns segundos, sentir o mesmo temor ou excitação. são estados temporários, e não é porque são temporários que não têm valor. são ferramentas conceituais para que a gente possa se reconhecer nos nossos desafios emocionais e conflitos psíquicos (e vamos de psicanálise) e também nos desafios de uma sociedade ou um planeta inteiro.
vibes são formas de nos ajudar a construir novos sentidos em um tempo tão farto, mas ao mesmo tempo tão pobre e saturado… de ruído, de sentidos prontos e de falta de sentido.
há 8 anos, a floatvibes vem flutuando em oscilações e convidando as pessoas a vibrarem junto.
somos um instituto comprometido com a produção de pensamento crítico, o que significa que muitas vezes pesquisamos e identificamos o que muita gente não quer ver, ouvir, nem falar a respeito. acreditamos, acima de tudo, que o comportamento e a mente humana são muito mais complexos do que a perspectiva positivista ou generalista da maioria dos gurus de tendências.
por isso, assim como o controverso arquiteto Rem Koolhaas, buscamos “reduzir tudo à sua contradição mais brutal” e não à sua versão mais superficial, agradável e palatável para o mercado. afinal, não há força mais poderosa para produzir o novo quanto a tensão psicossocial. o desafio diagnóstico está em enxergar o conflito — e não o confronto — como uma empolgante possibilidade de transformação. e afetação.
e se a velocidade das mudanças se consagra como ideologia vigente, é apenas abraçando a impermanência que fazemos as pazes com o tempo.
* falando em tempo, segue abaixo uma breve linha do tempo de como as vibes foram tomando o mundo (e o lugar das tendências) nesses 8 anos. demorou, mas o mercado e a cultura sentiram algo vibrando diferente. 🫨
VIBES NA LINHA DO TEMPO
2017: floatvibes 👶
2021: 8ball, Sean Monahan — VIBE shift
2021: The New Yorker — 2021, o ano em VIBES.
2021: we are social — A Economia de VIBES
2021: Robin James — What is a vibe? On vibez, moods, feels, and contemporary finance capitalism
2022: The Guardian — Como você pode identificar uma VIBE shift?
2022: Vox — Tendências estão mortas. Tudo e qualquer coisa pode ser uma tendência na internet.
2023: Contagious — Tendências perderam todo seu significado.
2024: thred. — Por que tudo é uma VIBE trend agora?
2025: Pratik Kalam — A chegada da cultura de vibes: indo além das microtrends no marketing
2025: Ian Batterbee — Tudo é uma vibe: é progresso ou apenas ilusão?
2025: Sage Journals — Métodos de pesquisa qualitativa baseado em VIBES
2025: Vogue Business — Microtendências estão mortas, vida longa às VIBES.
obrigado pela escuta, e seguimos pensando e vibrando juntos.
@floatvibes — coisas acontecem. pessoas mudam. escutamos vibes
coisas acontecem, pessoas mudam. sou floatvibes desde criancinha <3 feliz 8 anos com um 8 deitado de importância e relevância. só orgulho.
Vida longa a vocês, que deram tantas novas direções ao meu percurso 🙃