esposas-troféu, #traumatok e crise do Tinder
uma breve seleção de objetos culturais, linguagens, casos e fofocas que você não sabia que queria ficar sabendo.
TradWives (esposas-troféu): mulheres que retomam as raízes de suas antecessoras
o tema é controverso e merece reflexão antes de julgamentos precipitados. a cena é a seguinte: uma mulher que dedica a sua rotina e a sua vida aos cuidados com a casa e com o bem-estar dos filhos e do marido, e faz tudo isso com um grande sorriso no rosto, de preferência com uma estética anos 50 ou roupas de camponesa, e orgulha-se das dietas e métodos de culinária ancestrais que requerem "trabalho de verdade" no lugar de praticidade e conveniência.
ela é feminina (significante em aberto) e ela quer se edificar como mulher, e não se importa em deixar que seu marido lhe diga o que pensar. a sua voz parece às vezes um sussurro profundo, como a voz do seu próprio superego alertando-a de que ela deve viver a sua vida para ser uma boa mulher (significante em aberto). ela é uma #EsposaTrofeu / #TradWife.
mulheres (que poderiam ser Nara Smith, Ballerina Farm, Natália Matias e Mallu Campisi, ou não) demonstram muito orgulho de terem “casado certo”. e alguns de seus maridos também manifestam esse orgulho de terem casado com mulheres que "são sexy porque sabem como manter a casa no lugar" — e assim eles podem ter "a vida que merecem". e dessa forma, esses influenciadores edificam todas as convicções normativas de papéis de gênero em estilos de vida cada vez mais aspiracionais no culto das mídias sociais.. e obviamente no culto das igrejas… onde sempre foi assim, desde que o homem era homem e a mulher era mulher.
a ideia de submissão e servidão aqui, teoricamente, não é sobre a opressão do patriarcado, mas sim uma decisão consciente de voltar a ter e exercer uma "energia feminina”. e ser amada e admirada por isso. bom, ninguém pode determinar o que é felicidade para o outro (ou outra)… e temos aí um bom reflexo do efeito romantize a sua vida.
o enredo aqui é que a felicidade está em prestar serviços ao núcleo familiar, abraçando de corpo e alma o trabalho doméstico não-remunerado. nessa fantasia, nada poderia ser mais realizador do que levantar às 4 horas da manhã no domingo para preparar o pão, a casa e a si mesma, antes da família acordar, para que assim tudo já esteja perfeito e pronto para o uso e usufruto dos outros.
a Esposa Troféu não é só um movimento reacionário ao feminismo, é uma expressão neoconservadorista emulada por mulheres bastante jovens e um movimento bem alinhado aos valores de uma juventude que faz menos sexo casual, sai de casa mais tarde e gosta de música gospel. em que, em muitos casos, acredita mesmo que "o feminismo foi longe demais”. seriam elas uma espécie de match perfeito para os red pills da machosfera?
é importante refletir também sobre quais mulheres que podem escolher viver esse tipo de realidade. seria um lugar de “privilégio”? até porque a maioria das mulheres brasileiras precisam encarar uma jornada dupla ou tripla de trabalho (remunerado ou não) (junto com o marido ou mãe solo) simplesmente para poder alimentar a família. sem falar no trabalho de content worker / criadora de conteúdo, mas aí é outro drama. e fica a dúvida: as Mulheres-Troféu podem ter ajuda de funcionários e empregadas domésticas… e simplesmente não mostram isso na edição dos seus vídeos?
e o mais importante: afinal, existe escolha?
até porque elas parecem reverenciar mulheres que foram supostamente mais felizes como esposas e mães em tempo integral, mas que eram mulheres de um passado não tão distante que não tinham direito a qualquer outra escolha. e é aí também que entra a importância de falarmos sobre a tríade poder-dinheiro-e-independência.
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indo além, como escreveu a jornalista Jessica Grose, talvez haja uma boa armadilha aqui. para ela, o conteúdo TradWife não é realmente feito para mulheres, mas é sim feito para homens (e garotos!) que passam a sonhar com essas esposas humildes em sua capacidade de servir e agradar, e que falam bem baixinho com seus mestres.
é impossível não pensar sobre tudo isso e lembrar da famosa frase (ou alerta) da filósofa Simone de Beauvoir: “basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”.
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