refs. #29 Anatomia da Fofoca
"Quando Pedro me fala de Paulo, eu sei mais de Pedro do que de Paulo"... mas e o que essa fofoca toda diz sobre nós?
— o que está por trás destas tantas conversinhas irresistíveis que vem ganhando tanta força nas relações digitais?
dizem que a fofoca é a arma dos fracos, um veneno que mata aos poucos. mas apesar de tantas interdições, a fofoca desconhece limites históricos ou culturais e se recusa a desaparecer. é difícil encontrar quem não goste daquela atmosfera conspiratória de intimidade em que duas ou três pessoas falam sobre outra pessoa que não está presente.
essa pauta vem esquentando desde 2021, quando um casal de influenciadores fez uma declaração nas mídias sociais de que eles não faziam fofoca, pois isso "não edifica a relação". a internet veio abaixo com essa lição de moral e deu-se início ao movimento: fofoca edifica sim! inclusive, a ciência comprova que a fofoca foi responsável pela evolução do ser humano enquanto sujeito social, em comunidade, como confirma o estudo da Universidade de Oxford que diz que a fofoca está presente em 65% das conversas. mas quando que isso faz bem ou mal para as relações? e para o nosso psiquismo?
são muitas as funções sociais da fofoca: cooperação coletiva, reafirmação cultural, significante de status, gatilho de engajamento. ao mesmo tempo, sabemos do potencial destrutivo de boatos na vida real das pessoas. a fofoca pode ser maldosa, até mesmo cruel, mas também extremamente divertida, útil e importante - e, às vezes, tudo isso ao mesmo tempo.
as convidadas deste episódio que ajudam a aprofundar o tema são a apresentadora e podcaster Fê Paes Leme e a Psicóloga do Postinho, Nathalia Rodrigues.
afinal, estamos fazendo mais fofoca? ou a fofoca tornou-se mais socialmente aceita — e incentivada? o espetáculo da fofoca ficou ainda mais sedutor?
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e para ampliar ainda mais a discussão, reunimos abaixo algumas referências que nos ajudam a articular este tema. lembrando que o Vibes em Análise está com uma parceria com a livraria on-line Dois Pontos, que faz uma curadoria incrível de publicações, além de muito conteúdo pra que você encontre o livro que procura e o que nem sabia que estava procurando.
agora você pode comprar muitos dos livros que indicamos no episódio com 20% de desconto, usando o nosso cupom "FLOATVIBES"
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1. SAPIENS: UMA BREVE HISTÓRIA DA HUMANIDADE — YUVAL HARARI
segundo o famoso livro do historiador, a fofoca ajudou os primeiros homo sapiens a formarem grupos maiores e mais estáveis. ele tomou emprestada a ideia do antropólogo Robin Dunbar, que teorizou em seu trabalho de 1998 "Grooming, Gossip, and the Evolution of Language" que a linguagem - e, por extensão, a fofoca - substituiu o aliciamento, uma prática de vínculo social ainda observada entre nossos primos primatas. este é mais um bom questionamento de Harari sobre a trajetória humana no planeta, ao explorar: quem somos, como chegamos até aqui e por quais caminhos ainda poderemos seguir.
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2. SHOW DO EU — PAULA SIBILIA
o livro da antropóloga argentina é fundamental para entender um tempo em que sujeitos e mídia passaram a viver uma relação simbiótica. a análise de Sibilia sobre reality-shows, blogs, redes sociais, vídeos, selfies e o culto do “qualquer um pode ser protagonista” nos ajuda a compreender do que abrimos mão quando a intimidade vira um grande encenação. o livro é fundamental para quem estuda os custos subjetivos do VIRALISMO em tempos terrivelmente digitais. o Show do Eu também conversa muito bem com a alienação descrita por Guy Debord em sua principal obra, A sociedade do espetáculo. outra dica é a coletânea organizada por Deysi Mara Rovida, com diversos textos que elaboram sobre o estado atual da cultura.
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3. PABUBÁ-TERAPIA — SOFIA FAVERO
no potente livro da psicóloga sobre as subversões da clínica tradicional e da saúde mental, Sofia faz uma bela articulação sobre como a fofoca, assim como o pajubá, pode ser um elemento de expansão do repertório, contornando as fronteiras arbitrárias. foi no livro da Sofia que descobrimos o trabalho da antropóloga Cláudia Fonseca, "Família, Fofoca e Honra", no qual a autora apresenta a fofoca como arma de manipulação e proteção — uma arma feminina (porém não só) e uma estratégia de ampliar horizontes de atuação e enfrentamento. para quem se interessa por vozes capazes de subverter mundos a partir das margens, vale acompanhar os textos da Sofia no instagram, além de mergulhar na sua Psicologia Suja.
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4. ESTUDOS SOBRE FOFOCA
para começar, o excelente artigo da BBC sobre como talvez muitos de nós estamos subestimando o real poder de influência das fofocas na nossa vida. na pesquisa Who Gossips and How Often in Everyday Life (“quem fofoca e com qual frequência no dia-a-dia”), publicada pela Universidade da Califórnia, vemos que a maioria esmagadora das fofocas é sobre alguém conhecido e não sobre celebridades. já este outro estudo da revista Nature aponta como a combinação de fofoca e ostracismo pode promover cooperação em grupos de diferentes tamanhos.
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5 . SOLIDARIEDADE/SUCETIBILIDADE — JUDITH BUTLER
a fofoca tem sim o poder de destroçar, ainda mais na velocidade do Presente Extremo dos tempos digitais. mas o que a fofoca está nos fazendo tentar imaginar? o que está escapando da censura para que possamos usar a fofoca como zona do brincar, do especular, do imaginar novas possibilidades... de vida, de mundo e de ser? são questões trazidas pelo belo ensaio da Judith Butler sobre o José Esteban Muñoz Lecture, dois acadêmicos tão importantes para os estudos da performance, cultura visual, teoria queer e teoria crítica.
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e para quem quer mais tititi, pipipi e popopó:
— a GAMA revista sobre fofoca, edição que conta inclusive com uma entevista com o psicanalista Lucas Bulamah sobre o quão saudável é o hábito de fofocar;
— o curioso livro do Joseph Epstein sobre como a fofoca não é um assunto trivial; apesar de sua reputação, ela é um empreendimento humano eterno e necessário. vale explorar o capítulo “gay gossip”;
— o capítulo ”Perversão ordinária” do Reinvenção da Intimidade, coletânea de ensaios do psicanalista Christian Dunker;
— citamos alguns conceitos do psicanalista britânico Wilfred Bion ao longo do episódio. para quem se interessar, vale consultar Conceitos Elementares, Por que Bion? e Quatro Conversas com Bion;
— também vale ler a entrevista da Elizabeth Roudinesco à Folha se defendendo das acusações de ser chamada de "a fofoqueira da psicanálise".
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boas investigações… e até o próximo episódio! <