doomerismo VS hopecore, o fenômeno Pé de Chinesa e o dilema do dump
uma breve seleção de objetos culturais, linguagens, casos e fofocas que você não sabia que queria ficar sabendo
doomerismo VS hopecore
o décimo quarto mês seguido de recorde de calor. a maior seca da história do Brasil. queimadas em… todo o país afetando o PIB. diante de mais essa avalanche de informações (Agosto é sempre um mês pesado para quem acompanha dados sobre o clima), surge com frequência um meme que, muitas vezes, é visto como o melhor representante de uma geração: os doomers. são os profetas do “é tarde demais”, “não adianta se importar” e “já está tudo perdido”.
você certamente já ouviu esse discurso muitas vezes. em algum canto remoto do seu inconsciente, você provavelmente até concorda. e convenhamos que esse pessimismo derrotista que agencia a inação e a apatia em alguma medida parece inevitável. estamos acompanhando com dados, gráficos e mapas o colapso de alguma coisa que a gente ainda não consegue nem mensurar direito o que é. afinal, o que dizer depois de 380 cientistas do clima se declararem desesperados?
nesse caso, o vórtex do catastrofismo se alimenta de uma mistura alucinante de dados concretos e bem embasados, manchetes sensacionalistas e falta de perspectivas positivas para enfrentar o problema. pronto, você está mais que autorizado a vibrar ANSIEDADE CLIMÁTICA. se, em 2014, o artista colocou pedaços de iceberg para derreter no meio de Londres, essa “simulação da catástrofe” já não é mais necessária. em 2024, o mundo entra em MODO DERRETIMENTO bem na nossa frente.
a identificação com memes de uma persona fumante, com olheiras, que se entrega ao cinismo recreativo é também uma forma de rir do desespero — ou até um PESSIMISMO DEFENSIVO. no entanto, também sabemos que esse derrotismo meio recreativo é uma forma eficiente de se entregar à apatia, inclusive um discurso programado para gerar gatilhos de inação. mas como não sucumbir?
a cientista do clima Hannah Ritchie acha que dá pra resolver. o Bill Gates (e a Netflix) também. mas em um nível muito menos denso e embasado, a incubadora de medo e ódio que chamamos de mídias sociais vem produzindo uma outra trend que parece interagir muito bem com esse pessimismo: #hopecore.
entre os bilhões de exemplos de #hopecore, há desde casos de celebridades vencendo em grandes premiações, até obiamente… golfinhos, muitos golfinhos, mais ou menos irônicos. há quem proclame que todos os problemas - sejam eles quais forem - serão resolvidos. simples assim! são conteúdos com tom esperançoso, positivo e até algumas tentativas de POSITIVIDADE NÃO-TÓXICA. mas o puro suco da trend é, basicamente, o bom e velho “a vida é curta, seja feliz” + “vai tudo dar certo, basta acreditar”. e, num cruzamento perfeito com a fé das redes, o que não der certo no presente, dará no futuro, porque Deus escreve certo… enfim, você entendeu.
Enable 3rd party cookies or use another browser
o lance é que tanto o doomerismo quanto o hopecore movem-se num jogo que se retroalimenta. não é doomerismo VS hopecore, mas sim doomerismo + hopecore. quando a esperança vaga não se cumpre, o doomerismo toma conta. quando o derrotismo intoxica demais, a esperança vã acalma o espírito, mesmo que isso signifique cultivar frustrações futuras. e a ênfase nessa positividade vai suavizando a complexidade das emoções - e da realidade. é como se o oposto do pessimismo não fosse um otimismo desvairado, mas sim uma esperança calma e consciente.
redescobrir o poder da política em nossas vidas, nesse caso, pode ser um poderoso tratamento para a ansiedade climática. um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU mostrou que a interrupção imediata do acúmulo de carbono na atmosfera teria efeitos positivos já em um prazo entre 3 e 5 anos. ou seja, existem futuros melhores possíveis, existem estudos e tecnologias que poderiam nos ajudar nessa transição, mas isso não ocorrerá com a simples “força do querer”. uma pena, eu sei, o pensamento mágico do TikTok é tão fofinho.
por isso mesmo é importante não ceder à tentação de soluções fáceis ou de imaginários individualistas de sucesso. é ficar com o problema, como diria Donna Haraway, para trabalhar nossa ética e responsabilidade — e nos comprometermos com as complexidades e contradições do mundo, reconhecendo também os limites da nossa ação nesse mesmo mundo. e tendo muito cuidado com os discursos-armadilha que tomam as redes. dá tempo? dá. mas teremos de ser bem menos ingênuos se queremos produzir mudanças reais.
“Existe uma linha tênue entre reconhecer a extensão e a gravidade dos problemas e sucumbir a um futurismo abstrato, aos seus afetos de sublime desespero e suas políticas de sublime indiferença.”
— Donna Haraway, Ficar com o problema: fazer parentes no chthluceno
Continue a ler com uma experiência gratuita de 7 dias
Subscreva a floatvibes para continuar a ler este post e obtenha 7 dias de acesso gratuito ao arquivo completo de posts.