o dia 19 de janeiro de 2024 pode ter sido normal para você, mas foi muito turbulento para quem acompanha o BBB. Vanessa Lopes, a tiktoker com mais de 30 milhões de seguidores, desistiu da sua participação no reality porque "entrou em surto".
em uma velocidade alucinante, as redes foram tomadas por psicodiagnósticos rápidos e generalistas, criados às pressas por "terapeutas de internet". foram muitas as análises insensíveis e até preconceituosas sobre as supostas condições mentais e emocionais de Vanessa. foram muitas as especulações levianas sobre as possíveis causas do “psicológico estremecido” da jovem. teve até análise psicossocial a toque de caixa sobre como a "pobre" famosa moça representaria uma geração inteira de jovens “frustrados e vazios” que acha que “é tudo sobre eles”.
quem passou mais de 1 minuto nas mídias sociais no fatídico dia provavelmente ficou incrédulo, enfurecido ou até radicalizado. afinal, não faltaram conteúdos irresponsáveis e superficiais, ao melhor estilo recortes de recortes que a internet ama propagar.
— mas por que, depois de tudo isso, ainda seria importante nos arriscarmos a falar alguma coisa sobre Vanessa Lopes e saúde mental?
porque este curioso episódio tem algo a nos dizer que, na verdade, foi pouco discutido. sem minimizar todo o sofrimento que Vanessa possivelmente viveu, o fato é que a resposta psíquica da participante poderia ter sido bem mais séria, grave e danosa — para ela, para os outros e para a cultura.
Vanessa não estava "em surto" quando apertou o botão de desistência do programa. pelo contrário, sua decisão pode ser lida como um ato de busca por salvação. abandonar as condições enlouquecedoras em que se encontrava foi, no mínimo, um ato de desespero, mas também de coragem; contrariando os tantos que repetiam "continue mais um pouco", numa espécie de SURTO ASSISTIDO “pelo bem do espetáculo”.
sabemos que testemunhar o colapso psíquico de alguém pode ser triste e assustador, mas assistir a queda também tem seu lado menos nobre. presenciar uma crise dessas também pode produzir um alívio, uma sensação de escape em nós mesmos. algo na linha “não sou só eu que estou à beira de enlouquecer."
nesse sentido, talvez fosse melhor encararmos essa grande verdade coletiva de frente, ao invés de nos entregarmos ao empuxo generalizado pelo sadismo compartilhado — esse que nos leva a vulgarizar e viralizar exemplos de sofrimento, e a sacrificar publicamente indivíduos que estão, como todos nós, fazendo o melhor que podem para se manterem vivos e sãos.
PENSAMENTOS INTRUSIVOS, O MEME.
entre tantas visões imprecisas e divergentes nas trincheiras de opiniões, parece haver um consenso no caso Vanessa Lopes: “ela deixou os pensamentos intrusivos vencerem”. mas ela está longe de ser a única sofrendo com os invasores em sua mente, como evidencia toda uma horda de posts.
na teoria, o pensamento intrusivo é um conteúdo ideativo indesejado, perturbador, que toma a consciência de assalto. pode ser formado por lembranças, imagens, dúvidas, temores, impulsos sexuais ou agressivos, vozes internas (que se parecem com a nossa própria voz ou a voz de outro) e que nos provocam distração, desconforto, ansiedade e, claro, uma dose incontornável de angústia.
diferentes abordagens de tratamento psicológico oferecem possibilidades distintas de escuta de tais pensamentos. dependendo do nível de sofrimento, podemos nos propor a escutá-los e analisá-los em sessões terapêuticas, ou talvez precisemos erradicá-los com medicamentos antes que provoquem um mal maior e irreversível ao sujeito e àqueles ao seu redor.
na internet, os pensamentos intrusivos se tornaram qualquer estímulo interno capaz de tirar a nossa paz e o nosso equilíbrio. nos últimos meses, fatos aleatórios, cenas absurdas e episódios de destrutividade passaram ser resumidos pelas redes como resultados de pensamentos intrusivos. só que na lógica cronicamente online, tão importante quanto revelar e nomear tais pensamentos, é postar a respeito deles. essa é a história de como (mais) um conceito psi tornou-se um meme. afinal, habitamos um tempo em que adoecimento psíquico engaja; e até a loucura vira um grande show.
indo além, o culto à expressão dos pensamentos intrusivos tem muito a dizer sobre isso que anda vibrando dentro de nós: um conjunto de afetos complexos que dá a impressão de uma luta diária em nossas mentes, em nossas relações, em nosso pacto social. e que muitos de nós também apertaríamos o botão se pudéssemos. mas apertar o botão é se entregar, desistir de lutar… ou buscar ajuda?
ENTRE MELTDOWNS, BREAKDOWNS e SHUTDOWNS
Sigmund Freud descrevia a mente como um aparelho psíquico, uma imagem excelente para pensarmos no que pode acontecer com esse dispositivo diante de condições de funcionamento muito adversas.
por que aparelho? porque um aparelho é uma caixa preta com uma programação interna própria, capaz de determinar nossos comportamentos. um aparelho celular é capaz de aparelhar o que fazemos, apesar de parecer que somos nós que os manipulamos, como teoriza o filósofo da comunicação e da mídia Vilém Flusser.
a mente enquanto aparelho é responsável pelo processamento de informações, pela regulação de pulsões e pela mediação entre os desejos internos e as exigências do mundo externo. mas e quando esse aparelho é pressionado a performar para além da sua capacidade de processamento?
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