— Quem é essa gente toda aqui?
em maio de 2016, o Porta dos Fundos lançou uma esquete estrelada por Xuxa Meneghel. no vídeo, uma suposta fã chamada Jéssica, interpretada pela atriz Thati Lopes, não reconhece a Rainha dos Baixinhos. impaciente com a visita de Xuxa e sua equipe, Jéssica questiona: “quem é essa gente toda aqui?”. o quadro era uma sátira sobre as dificuldades de lidar com a fama (e com a perda dela). curiosamente, quem ganhou mais destaque foi a personagem anônima. sem querer, Jéssica hitou.
de lá para cá, “quem é essa gente toda aqui?" tornou-se um dos bordões queridinhos das redes. a frase resume com precisão o momento extraordinário em que uma pessoa ordinária tem o seu conteúdo subitamente visto e aclamado por muitos. é só um gostinho, um aperitivo, de como deve ser conquistar o ícone de conta verificada ✅ ou uma placa de 100k ou 1 milhão de seguidores. como quem diz: parabéns, você não era ninguém, mas agora está no caminho.
a frase virou meme e título de livro. em Quem é essa gente toda aqui? Internet e acessibilidade no Brasil da pandemia, o escritor e roteirista Ricardo Terto analisa as graças e dores da democratização digital. nas primeiras páginas, sentencia: “o ser do terceiro mundo digital é publicitário de si e agiota de angústia. fuma prints de treta, dois maços por dia.”
habitar tempos de VIRALISMO é colocar-se à prova (ou à venda) o tempo todo. é confiar, acima de tudo, na crença de que qualquer um pode vir a bombar de uma hora para outra por um motivo que ninguém nunca tinha imaginado. é acreditar que a Jéssica pode ser mais importante que a Xuxa, pelo menos por algumas horas.
Ian Bogost, professor e diretor de media studies da Washington University of St Louis, afirma que, hoje em dia, a promessa fundamental das redes é a de que todos nós temos e merecemos essa audiência. se ainda não a temos, essa audiência se abrirá para nós a qualquer momento. indo mais longe, nós merecemos respostas, reposts e reações ao que produzimos online. enquanto não as recebemos, parece inevitável nutrirmos uma sensação de fracasso. a internet afirma que precisamos “encontrar a nossa voz”; mas o que ela também diz é que temos o direito de conquistar sempre mais alcance.
e não foi sempre assim. inicialmente, usávamos as redes sociais para cultivar as nossas relações pessoais e profissionais. para dar um boost no tal networking (usando termos bem noventistas mesmo). mais pra frente, as plataformas perceberam que esse ecossistema tornaria-se muito mais lucrativo se mais pessoas produzissem mais conteúdo.
o excesso de estímulos e conexões renderia não apenas mais pressão e ansiedade em todos nós (oops…), mas também mais engajamento e mais dados para serem coletados. isso ampliaria os bancos de informações das big techs e, consequentemente, o valor dos anúncios poderia subir exponencialmente. temos aqui a primeira grande virada em direção à megaescala: as redes sociais tornaram-se mídias sociais.
Você é um conglomerado de mídia em estado paranóico
a lógica do broadcasting pressupõe a veiculação de um alto volume de conteúdo para o maior número de pessoas possível, potencializando assim as apostas no cassino da viralização. o fluxo gerar-e-propagar parte da premissa de que o usuário não é mais um usuário, mas sim um produtor. um criativo, roteirista, editor, apresentador, artista, vendedor, sujeito incansável que acumula funções e atrasos, porque sabe que merece uma audiência sempre maior do que a que já conquistou até hoje. esse é o seu direito conquistado à megaescala.
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