a bilionária turnê Eras da pop star Taylor Swift tem gerado muito assunto no mundo todo. mas talvez o mais curioso de todos sejam os relatos inconformados de alguns fãs que confessam não conseguir lembrar do show que acabaram de assistir. obviamente, isso inclui o grande incômodo em terem desembolsado fortunas por essa experiência pela qual aguardavam há tanto tempo.
um desses tristes desabafos diz assim: "honestamente, nem parece real que eu realmente vi a Taylor Swift há uma semana atrás, é como se eu tivesse acabado de assistir ela no TikTok ou algo assim."
apesar das narrativas desses fãs definirem a experiência como “muito emocionante”, “extremamente excitante” e "um grande exagero de estímulos sensoriais”, por outro lado, é como se eles simplesmente não estivessem lá. os relatos lembram até os sintomas que encontramos em um transtorno de despersonalização/desrealização — uma sensação de desconexão e separação com o corpo, com a mente e com os próprios sentimentos, somada a um estranhamento radical com o ambiente ao seu redor, como se o sujeito estivesse vivendo um grande sonho. — e talvez realmente estivessem, né?
é interessante pensarmos também como o fenômeno do esquecimento tornou-se um dos grandes assuntos quando falamos das sequelas da “COVID longa”, os sintomas que persistem após a recuperação da doença. além disso, muitos estudos mostram que existe uma sensação generalizada de esquecimento causada não apenas pela infecção do vírus da covid-19 no sistema nervoso, mas pelos efeitos psíquicos provocados pela experiência do período pandêmico em si, ou seja, como um resultado direto das vivências de lockdown, quarentena e distanciamento social.
segundo especialistas, esse "apagão da pandemia” seria causado por dois motivos: 1) o excesso de estresse que vivenciamos naquela época e que nos colocou em um estado de transe; e 2) o fato de que a memória só acontece quando narramos e elaboramos os eventos e ocorridos em nossa vida. no entanto, a sensação de que estávamos todos no mesmo barco (como um grande episódio coletivo, e do qual também não queremos mais lembrar), nos fez (e nos faz) não falar mais sobre aquele período de aproximadamente 2 anos em nossas vidas do qual nos recordamos de um jeito bastante esquisito.
sim, a pandemia será lembrada, individualmente e coletivamente, mas talvez não tanto quanto a gente imaginava que seria enquanto ela estava acontecendo. talvez ela já esteja sendo escanteada na nossa memória, da mesma forma como aconteceu com a Gripe Espanhola, que é inclusive conhecida como a "pandemia esquecida".
a produção de memórias turvas tem uma explicação científica que pode nos ajudar na compreensão destes fenômenos. muitos esquecimentos são resultados de situações de extrema excitação ou estresse, ou seja, uma hiper-estimulação emocional (tanto positiva quanto negativa) que aumenta o nível de cortisol em circulação, o que acaba prejudicando a capacidade de retenção e interpretação dos acontecimentos. voltando ao caso Taylor Swift, o professor Ewan McNay, do departamento de psicologia da State University de New York argumenta que existe um certo nível de excitação que ajuda na formação da memória; mas quando é muito, ele mais atrapalha do que ajuda.
não dá para ignorar que o excesso de expectativas também contribui para um afastamento do sujeito com o Real, como se a mente mergulhasse em um oceano de idealizações, fantasias e até mesmo delírios.
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