homens frutados e meio-bichas, pop palhaçaria e (des)crentes olímpicos
uma breve seleção de objetos culturais, linguagens, casos e fofocas que você não sabia que queria ficar sabendo
🍇 homens frutados e meio-bichas
“eu quero um homem meio-bicha pra chamar de meu.” assim começa uma espécie de manifesto de @barbramarcondes, que acumula 380 mil curtidas no TikTok e virou trilha para diversas mulheres exibirem, com muito orgulho, seus namorados “meio-bicha.” esses são homens que fogem do estereótipo hétero-top e adotam códigos do universo LGBTQIA+: se expressam como querem em seu estilo, vestido cropped, acessórios e cabelos coloridos. confortáveis na sua masculinidade, eles não têm medo de mostrar trejeitos ditos gays e ostentam o famoso “olhar açucarado.” o audio da trend em inglês passou de 1.2 milhões de curtidas e já foi usado milhares de vezes no formato: “I love when beautiful girls have a little gay boyfriend” (“eu amo quando garotas lindas têm pequenos namorados gays”).
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esses boys ganharam o carinhoso título de “Fruity Boys,” termo ressignificado, antigamente carregado de preconceito para se referir a homens gays ou afeminados — o famoso frutinha no Brasil. não faltam amostras desse novo tipo no mundo das celebs. Marina Sena com Juliano Floss, Deolane com Fiuk, Kylie Jenner com Timothée Chalamet, Taylor Russell com Harry Styles. aquela te(n)são do triângulo amoroso entre os tenistas do filme Rivais (Challengers). são personalidades que ajudam a validar o comportamento no mainstream: e o mérito não é só do rapaz, mas também de suas namoradas, que bancam a subversão de padrões e expectativas machistas tão comuns no universo feminino.
no meio de tantos incels, red pills e outros projetinhos especiais da machosfera, não dá para negar que há um certo alívio nessa vibe, um bálsamo para o heteropessimismo e a “dating crisis.” não é novo o descontentamento e frustração das mulheres sobre o atual estado da masculinidade: tóxica ft. frágil. são muitas queixas conhecidas, como a indisponibilidade emocional dos homens, a sua ausência na vida e no trabalho doméstico, a negação de qualquer valor remotamente feminino (misoginia?), sem falar na violência, traição, abandono. basta assistir as respostas de @giovana.fagundes e Fran. vivemos num mundo em que até a IZA grávida foi traída…
os Fruity Boys são, a princípio, frutos (🥁) de valores mais femininos em ascensão. são resultado de ideologias mais da esquerda, da influência do movimento queer, impulsionados também pelos gostos das mulheres. homens mais conectados com seus sentimentos, com autoconhecimento e autoexpressão, que leram Bell Hooks e sabem que pintar as unhas não quer dizer nada sobre sua preferência sexual. “terapia em dia”, de preferência. deu match com a quarta onda do feminismo? ou seria tudo uma doce ilusão guiada por modismo e um discurso (e uma vestimenta) esquerdomacho com pouca prática?
vale lembrar do paradoxo hetero-homo na moda: o pêndulo que faz com que elementos anteriormente adotados por gays invadam o armário hétero (calça skinny, sobrancelha feita e axila raspada) e vive-versa (referências esportivas, oversize e quanto mais pelos melhor).
com tudo isso, os CONFLITOS DO MASCULINO continuam ganhando novas camadas. seriam os homens meio-bichas uma ramificação darwiniana da masculinidade, seguindo o princípio da sobrevivência do mais forte? ou o homem muda ou vão acabar com o calvo da Campari?
um outro ângulo possível para pensarmos é como os homens frutados têm notas de queerbaiting: quanto dos elementos LGBTQIA+ são apropriados de forma ambígua para ganhar audiência? afinal, ao se expressar com esse códigos, esses homens não sofrem violência e retaliação como quem de fato é queer (ou será que sofrem?).
como escreveu o filósofo e ativista italiano Mario Mieli em Por um comunismo transexual, as heterobichas muitas vezes reduzem as homossexualidades a uma estética — ou uma vibe — puramente orientada para o espetáculo e para o consumo. nessa linha, a carcaça do homem é desconstruída, mas a atitude habitual segue sendo “a zombaria e o desprezo imediatos pela bicha que atravessa a esquina da rua ou que se atreve a sorrir para ele no corredor do metrô”. nesse sentido, a questão é quanto da incorporação desses códigos dissidentes efetivamente desmonta a heteronormatividade e até o patriarcado que tanto interditam e oprimem subjetividades queer? tanto nos homens quanto nas mulheres?
homens frutados também podem ser vistos como uma estratégia de muitos homens para se apresentarem ao mundo como versões menos ameaçadoras, menos potencialmente violentas que o macho clássico. uma espécie de “oposto complementar” do feminino, como se fosse uma versão sexualizada e sexual dos chamados “gay pet” ou “gay chaveirinho”.
é claro que a questão é complexa. como diz o escritor James Baldwin, "há poucas coisas abaixo do céu mais difíceis de entender e de perdoar… do que a ideia de masculinidade". mas se há um sentimento coletivo de que precisamos expandir os sentidos do que é ser homem, fruity boys correm o risco de reduzir subjetividades a arquétipos ou, pior, a meors segmentos de consumidores.
seguindo nessa direção, não podemos dar respostas apressadas a perguntas que merecem abertura para novos sentidos. afinal, por que a masculinidade precisa de estereótipos e rótulos para se espelhar? é possível cada homem criar a sua versão própria de masculidade? ou "homem é tudo igual" e precisa do aval do mercado e seus nichos de consumo pra se diferenciar? em qualquer um dos caminhos, convenhamos que dá um pouco de esperança pensar na ressignificação do clássico e péssimo termo “frutinha”.
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