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epidemia de cinismo, Lady Gaga e Addison Rae

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uma breve seleção de objetos culturais, linguagens, casos e fofocas que você não sabia que queria ficar sabendo.

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mai 08, 2025
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epidemia de cinismo, Lady Gaga e Addison Rae
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‘O Ensaio’ e a epidemia de cinismo

nossa temporalidade anda bem complicada. vivemos um presente extremo, de eventos históricos acavalados e sobrepostos na linha do tempo; reciclamos o passado consumindo tiktoks hiperestimulantes de nostalgia barata e open de brain rot produzidos por inteligência artificial; e temos pavor de desviar os olhos da tela, olhar para a frente e imaginar o futuro do capitalismo tardio, do cataclisma climático, do Tesla Cybertruck e da virtualização das nossas vidas.

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não à toa, saímos da pandemia viciados em telas, wellness e autocontrole: frente ao colapso do senso de coletividade, o núcleo individual parece ser o último onde ainda se pode exercer algum controle. nas mídias sociais, nos games, na política, …a ideia que vai tomando cada vez mais relevância é a de que o nosso perfil always on passou a ser a maior expressão social do indivíduo. não mais o nosso papel como cidadão, mas a nossa expressão digital, nosso @, nosso canal, nossa página, nossos avatares. topamos então um contínuo streaming da vida, um modo de viver em público. como escreve o Byung-Chul Han: “a identidade hoje é produzida, principalmente, por meio de informações. nós nos produzimos nas mídias sociais (...) nós nos encenamos. nós performamos nossa identidade”.

e, assim, vamos construindo a armadura perfeita para o enfrentamento de um mundo cada vez mais hostil.

o zeitgeist é cínico. a ironia é mainstream: do Deadpool e Wolverine aos memes autodepreciativos. e o cinismo nada mais é do que a equação que operamos entre a desesperança e a produtividade. somos dissonâncias cognitivas colossais, carregadas, pesadas, funcionando na negação de um abismo que parece se iluminar cada vez mais na nossa visão periférica. a doença está no nervo central, a ironia é o analgésico.

não é surpreendente, portanto, que ‘O Ensaio' de Nathan Fielder faça um sucesso cada vez maior. é uma série que mistura linguagens distintas, oscilando com muita ironia entre o documentário biográfico e o reality tv; é absurdista, é non-sense, é exageradamente metalinguística. a realidade é, cada vez mais, farsa.

a segunda temporada da série continua investigando a produção de duplos a partir das expectativas e percepções que outras têm de nós mesmos - o ‘Fielder Method’, aliás, nada mais é do que um processo de clonagem cujo material genético é a percepçõo do outro sobre você. essa materialização incompleta gera simulacros de nós mesmos que existem de forma limitada em simulacros espaciais - casas, aeroportos, cockpits. é um jogo de duplos em um mundo sem lastro, que muito dialoga com a nossa existência virtualizada na nuvem — a Era dos Doppelgängers.

até pouco menos de dez anos, essa linguagem da ironia metalinguística e emocionalmente desconectada era bastante nichada, reservada a um recorte da internet de usuários crônicos do Twitter e de redes mais obscuras, como o 4chan. sua popularização é também um reflexo da virtualização das nossas vidas e subjetividades, acelerada pelos anos pandêmicos. na era do hiperestímulo, todo mundo conhece a forma de todas as coisas, mesmo que despreze o conteúdo. e a resposta da indústria cultural, até então, tem sido se retroalimentar desse caldo cultural contaminado, constantemente trocando a suspensão de descrença por acenos cínicos à audiência - produto e público igualmente autoconscientes e imobilizados.

mas, surpreendentemente, ‘O Ensaio’ usa da sua própria ironia para se alavancar na direção oposta, no sentido de alguma outra coisa. assim como em ‘Nathan For You’ (seu primeiro programa), o motto da série, enterrado sob camadas e camadas de cinismo, é o da busca solitária por humanidade - tanto em si quanto no outro - em meio aos labirintos desumanizados e espetaculares dos reality shows.

na era do panopticontent em que filmamos, documentamos e performamos cada aspecto das nossas vidas, o absurdismo de Nathan Fielder é facilmente compreendido a partir da nossa realidade - somos, cada um, nosso próprio reality show. e a busca por honestidade, verdade e sinceridade em ‘O Ensaio’ é um diálogo com o que restou de nós, afogados em cinismo de um oceano de telas. o que sobra? uma produção de sentido esperançosa, para quem quer vê-la.

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matheus
pesquisador, comunicador, apresentador e roteirista. nascido e criado na internet, gosto de falar à beça sobre cultura, futuro e mídia. em breve, textos aqui :)
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